“Esforços multidisciplinares para promover a sustentabilidade da vitivinicultura do Douro Vinhateiro desenvolvidos pela linha de investigação VITALITY WINE”
Até dezembro de 2019, os investigadores vão relatar tudo o que foi desenvolvido e as conclusões obtidas ao longo de todo o projeto INTERACT. Neste artigo, o Professor José Moutinho Pereira, coordenador da linha de investigação VITALITY WINE, sintetiza as motivações principais dos investigadores que integraram a equipa desta linha e algumas metas já alcançadas em termos científicos e técnicos.
O projeto INTERACT foi estruturado em 3 linhas de investigação e numa dessas linhas, com acrónimo VITALITY WINE, desenvolveram-se diferentes tarefas, desde a vinha ao vinho, com o intuito de ajudar a promover uma maior sustentabilidade económica e ambiental de todo o território duriense, denominado como Região Demarcada do Douro. Como é do conhecimento geral, esta região é a mais antiga região vitícola regulamentada do mundo (desde 1756) e a maior região vitícola do país (com cerca de 43 mil hectares). A paisagem cultural desta região combina a natureza monumental do vale do Rio Douro, feito de encostas íngremes e solos pobres, com a ação multissecular do Homem na modelação da paisagem, no granjeio da vinha e no fabrico do vinho. Esta relação íntima entre os lavradores durienses e a natureza permitiu criar um ecossistema vitícola ímpar que foi galardoado em 2001 pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade. Em termos de volume de produção de vinho, esta região, que inclui as Denominações de Origem Douro e Porto, produz cerca de 1,22 milhões de hectolitros (2017), representando aproximadamente 22% da produção nacional. Uma grande parte desta produção é exportada, contribuindo com cerca de 550 milhões de euros para a balança externa portuguesa (IVDP, 2018). O reconhecimento crescente que os vinhos durienses têm tido nos certames internacionais perspetiva que estes resultados poderão ser ainda mais promissores. Para isso muito tem contribuído o esforço que foi encetado por todo o sector, desde o modo sustentável da gestão vitícola, procurando tirar o melhor partido dos recursos naturais e do património genético autóctone, até às tecnologias de grande rigor que têm sido aplicadas no fabrico do vinho.
Decorrente da mudança climática global, de acordo com os relatórios mais recentes do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, o aumento da temperatura média global até ao final do presente século poderá ser de 1,3°C (cenário mais otimista) a 4,8°C (cenário mais pessimista). Este aquecimento, associado a uma escassa precipitação estival, promoverá enormes desequilíbrios no comportamento vegetativo e reprodutivo das culturas, sobretudo em países do sul da Europa, onde o clima tipicamente mediterrânico está mais vincado. Ao nível do Douro Vinhateiro, em que parte do território está já no limite de resistência ao stresse estival, admitindo-se que um cenário de aumento de temperatura de 1,5 a 2,5°C nos próximos 50 anos, associado a menor precipitação e/ou grande variabilidade na ocorrência de fenómenos de vagas de calor ou de precipitação torrencial, poderá ter consequências desastrosas para a estabilidade e sustentabilidade de todo o ecossistema vitícola e para a produção e qualidade das uvas. Do ponto de vista social, esta conjuntura, a somar a outras ameaças não menos preocupantes, como por exemplo o envelhecimento assustador e indisfarçável da população duriense, o êxodo maciço dos mais jovens para outras regiões do país e do mundo, e a baixa rentabilidade da pequena e média viticultura, pode descaracterizar todo este território, comprometendo irreversivelmente os valores e princípios que foram consagrados pela UNESCO em 2001.
Importa salientar que o trabalho desenvolvido nestas tarefas tem permitido avanços significativos no conhecimento científico e técnico, valorizando-se de modo especial a partilha destes resultados e experiências com os utilizadores finais da fileira vitivinícola.
Foi dentro deste enquadramento motivacional que a linha de investigação VITALITY WINE do projeto INTERACT, subdividida em 5 tarefas bem definidas, com investigadores de diferentes áreas disciplinares da UTAD e da Universidade do Minho e por um corpo assinalável e qualificado de investigadores contratados como bolseiros doutorados e mestres, procurou ao longo dos últimos 3 anos desenvolver estudos que possam mitigar muitos desses pontos negativos e ajudem a transformar as ameaças identificadas em oportunidades de desenvolvimento sustentável para toda a Região e suas populações.
Em concreto, na tarefa 1, liderada pela Professora Laura Torres, tem-se procurado estudar as questões mais ligadas à biodiversidade funcional e fertilidade dos solos vitícolas, nomeadamente as práticas culturais que mais impacto positivo possam ter no funcionamento da biota do solo vitícola e nos serviços de ecossistema em ordem a uma viticultura menos dependente de produtos químicos de síntese que geram inevitavelmente elevada carga toxicológica, com consequências devastadoras para o meio ambiente e para a qualidade dos alimentos. Na tarefa 2, liderada pelo Professor Moutinho Pereira, tem-se procurado investigar algumas medidas culturais de curto-prazo para ajudar a viticultura mediterrânica a adaptar-se às condições de maior stresse estival que já se fazem sentir em algumas zonas da região e se perspetiva que venham a agravar-se, quer em intensidade quer em área territorial, no contexto da mudança climática. Estas medidas têm normalmente impacto apenas sazonal, sendo os seus efeitos muitos específicos no comportamento das videiras e na produção e qualidade das uvas. A sua implementação, desejavelmente muito expedita, pouco onerosa e amiga do ambiente, implica geralmente ajustamentos ao nível de algumas práticas culturais, tais como as podas de inverno e de primavera-verão, que implicam alterações do tamanho da superfície foliar exposta, a gestão da cobertura do solo, obrigatoriamente compatível com as caraterísticas climáticas da região e com as necessidades hídricas da vinha, e a aplicação foliar de protetores solares. Esta última medida tem sido objeto de maior atenção no âmbito desta tarefa, estudando-se de modo especial o efeito do caulino como substância capaz de conferir às folhas uma maior capacidade de reflexão da radiação solar (albedo), favorecendo a redução da temperatura foliar e consequentemente a menor destruição das folhas e dos cachos por escaldão e de todos os efeitos negativos daí resultantes para o comportamento fisiológico das videiras.
Na tarefa 3, liderada pelo Professor Aureliano Malheiro, têm sido equacionadas diversas medidas, ditas de longo-prazo com caracter plurianual. Nestas medidas incluem-se fatores relacionados com a zonagem da vinha e com o projeto de plantação e formação da vinha. Alguns exemplos: a deslocalização do mapa vitícola para zonas mais temperadas; a seleção de castas (onde se inclui metodologias histológicas e bioquímicas de estimativa precoce do potencial produtivo) e de porta-enxertos mais bem adaptados a condições de maior aridez; a geometria das linhas de plantação versus a eficiência da interceção da luz pela superfície foliar exposta para a produção de fotoassimilados; e a definição de uma forma de condução que garanta menor vulnerabilidade hidráulica dos vasos xilémicos das videiras durante os períodos de maior demanda hídrica. Nesta tarefa 3 também tem sido prestada particular atenção ao estudo do microbioma natural que está associado a cada casta, a cada condição edafoclimática onde a vinha está implantada e às práticas culturais mais comuns que aí são usadas, em particular o modo e as especificidades dos tratamentos fitossanitários praticados pelo viticultor. A tarefa 4, liderada pelo Professor Pedro Melo, sendo de cariz mais tecnológica, tem-se focado no desenvolvimento de metodologias aplicadas à viticultura de precisão, nomeadamente com a criação e otimização de ferramentas assentes em suporte informático que possam em tempo real apoiar as empresas na decisão temporal e espacial de práticas culturais mais amigas do ambiente e da qualidade da produção. Práticas culturais, como por exemplo a oportunidade de tratamentos fitossanitários e a aplicação de fertilizantes, a determinação da data ótima de colheita, a avaliação do estado hídrico das videiras e consequente gestão da rega ou de outras medidas complementares, são decisões que, quando assentes em critérios devidamente fundamentados e validados, permitem incrementar significativamente a competitividade da vitivinicultura duriense. Por fim, na tarefa 5, liderada pela Professora Ana Barros, tem-se avançado com resultados muito promissores no estudo da valorização dos subprodutos resultantes da indústria vinícola (bagaço de uva, engaços e borras de vinho), nomeadamente quanto aos conteúdos em fitoquímicos, antinutrientes, toxinas, aflatoxinas e eventual presença de pesticidas em níveis deletérios.
Como considerações finais, importa salientar que o trabalho desenvolvido nestas tarefas tem permitido avanços significativos no conhecimento científico e técnico, valorizando-se de modo especial a partilha destes resultados e experiências com os utilizadores finais da fileira vitivinícola, cumprindo-se assim um dos principais propósitos que foi assumido em sede de candidatura no âmbito da Estratégia Regional de Especialização Inteligente para a Região Norte de Portugal (EREI Norte).
José Moutinho Pereira |moutinho@utad.pt